sábado, 4 de julho de 2015

Pela “redução” da mediocridade política.

Secretaria Estadual de Juventude do RN.
O Estado do Rio Grande do Norte passou do 22º lugar para a 4ª posição no ranking da violência contra jovens e adolescentes na ultima década - aumento de 560%! Natal é a 11º cidade mais violenta do país. Os dados constam do Mapa da Violência 2014 - FLACSO. Eu já fiz pesquisas sobre violência e segurança, portanto, suponho que os dados sejam subestimados, mas, essa é outra questão – trata-se apenas de registros de ocorrências notificadas. O fato é que isso aconteceu ao longo de uma década e, nesse sentido, se impõem alguns questionamentos: o que não foi feito para que se alcançasse esse expressivo avanço em uma década? Qual o lugar da sociedade civil organizada nesse processo? Porque numa escala de responsabilidades, nesse processo, o Estado é indefensável! Porque é no bojo desse estado de coisas que se assenta o discurso pró-redução e se (de)forma a opinião publica favorável – a redução da maioridade penal e a pena de morte.



Em uma década – 2004/2014 – presenciamos três governos petistas e avanços em políticas sociais que promoveram a ascensão econômica de setores excluídos, sobretudo, no norte e nordeste do país. Essa ascensão se verifica na ampliação das políticas de transferência direta de renda e acesso a serviços públicos básicos – políticas habitacionais, acesso a médicos, ensino superior e técnico e ao crédito e sistema financeiro. Pautas relativas, porem, à implementação ou expansão de direitos também avançaram. Isso posto, cumpre questionar como avaliar e quais os limites dessas conquistas e avanços – porque não se trata de fazer eco ao discurso institucional. É indiscutível a primazia do mercado, do patronato, do sistema bancário-financeiro e das empreiteiras sobre o Estado e a sociedade nesse processo. É relevante considerar ainda que a universalidade das políticas e direitos sociais deu-se no amplo contexto de articulação e arranjos políticos nos Estados e municípios – via partidos e/ou parlamentares. Assim, verifica-se a opção pelo “presidencialismo de coalizão”, pelo “Estado neodesenvolvimentista paternalista” e a construção de um “pacto nacional” assentado na “conciliação de classes.” 

É nesse cenário que se insere a construção de pautas, políticas e consensos no Brasil na ultima década – para efeitos dessa reflexão. No que diz respeito ao Estado do Rio Grande do Norte, é imperativo considerar a primazia do modelo oligárquico, paternalista e patrimonial na política, há décadas controlada por clãs familiares e séquito de apaniguados – Farias, Maias, Alves. Completa o quadro o caráter personalista, messiânico, fatalista, conservador e autoritário da política na sociedade, marcado pela ausência da participação popular e de partidos de esquerda. O Estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, não tem sequer um único deputado federal no Congresso Nacional que seja de um partido de esquerda. 

Nesse contexto, os movimentos sociais apresentam-se como os interlocutores preferenciais do Estado, intermediando e cambiando o acesso aos movimentos populares. Articulam as pautas e organizam as suas agendas ao redor de interlocutores políticos – antes indivíduos que partidos - e a reboque de políticas publicas nas três esferas governamentais. Assim, de um lado, se reproduz a tradição patrimonialista-paternalista, de outro, reifica-se o pacto social conciliatório caracterizado pela ausência do debate e a diluição do conflito e/ou contradições intrínsecas a política. Esvazia-se o conteúdo ideológico da esfera política substituindo-o no interior do Estado e da sociedade por demandas pontuais na manutenção da ordem e do desenvolvimento. Deste modo, desmobilizam e manipulam monopolizando o discurso, debate e o dialogo com o poder, promovendo o "controle social", reduzindo a participação direta à cidadania tutelada. 

Do ponto de vista objetivo, trata-se de uma forte inclinação à chamada Terceira Via - face política da pós-modernidade. De um lado o Estado conciliador-provedor – que inclui e incorpora, desmobiliza, dilui e minimiza contradições e conflitos –, de outro o autoritário-policial que mantém a ordem e o status quo por meio dos seus aparelhos repressivos e coercitivos – judiciário, policia e sistema carcerário – canalizando os conflitos e contradições sociais e as demandas políticas para os tribunais – o avesso da política. Cumpre observar que ambos caracterizam-se pela primazia do capital à sociedade e o Estado no contexto da democracia formal de mercado. São autoritários porque excluem o dialogo e o debate político no interior do Estado e da sociedade, minimizando ou reduzindo o papel do primeiro e desqualificando o segundo como interlocutor e protagonista, senão em torno de grupos de interesses e demandas. A opção pelo legalismo revela o caráter autoritário, burguês, excludente, burocrático e paternalista. À esquerda pós-moderna tem reproduzido isso de forma mais ou menos dissimulada. 

O discurso pós-moderno, além de conciliatório e liberal-progressista, se posiciona na defensiva, a reboque dos ataques reacionários numa perspectiva legalista, moralista, individualizante e/ou meramente técnica-burocrática – estatística, clinica, pedagógica. Renuncia ao debate ideológico e a critica no campo político, dissimula a opção pela manutenção do status quo, minimizando as determinações histórico-estruturais a partir de postulados que estabelecem a primazia da institucionalidade, do pragmatismo e do relativismo - como se a questão fosse técnica e não política! O vácuo político-ideológico é preenchido pelo técnico, pelo intelectual, pelo gestor, pelo burocrata – “consultores” técnicos governamentais ou institucionais. O partido é substituído pelo movimento social – difuso, sem fins políticos, “lucrativos”, assistencialista, idealista, organizado de forma empresarial ou comunitária – e/ou pelo taumaturgo – carismático ou tradicional. No bojo desse processo, ocorre um fortalecimento da sociedade civil organizada em detrimento dos movimentos populares nas relações institucionais, havendo um incremento das “parcerias” técnicas e PPPs concomitante a retração do Estado na gestão publica – cerca de 30% da saúde do município de Natal, por exemplo, é terceirizada e a situação é idêntica senão pior noutras pastas e no governo do Estado (quanto a isso nenhum protesto, apenas o constrangedor silêncio).  

É nesse processo que se verifica o sucateamento dos serviços e infraestrutura publica, a terceirização e precarização sistemáticas das relações de trabalho e a legitimação dessa opção política pelos “parceiros” sociais, técnicos e privados no interior dos orgãos institucionais de "participação" da sociedade - Conselhos e conferências. Por isso não nos causa espanto presenciar numa manifestação de “protesto” contra a redução da maioridade penal a primazia de atores técnicos, institucionais e governamentais em detrimento da ausência de setores populares e adolescentes periféricos! Em que pese ainda o silêncio cúmplice e constrangedor em relação a critica ao Estado - município, judiciário, parlamento, etc - e os seus respectivos responsáveis! Em nenhum momento se chamou a atenção no sentido de responsabiliza-los por esse hediondo estado de coisas no Estado do Rio Grande do Norte! Não foi feita uma única menção ao governador e os seus secretários, o prefeito e as instituições municipais, vereadores, deputados estaduais ou federais – muito embora uns sejam os legisladores (todos os deputados federais potiguares votaram a favor da redução) e os outros os executores! Como se os partidos do prefeito e governador não fossem abertamente favoráveis a redução e, ainda que eles se manifestem pessoalmente contrários, a questão pudesse encerrar-se em "indivíduos" e as suas respectivas "opiniões"! Enfim, por isso tudo é possível que numa manifestação desse tipo de “protesto” atores e agentes políticos governamentais cúmplices desse sistema perverso, injusto, depravado e falido sejam acolhidos e até celebrados pelos organizadores e/ou "parceiros". Sem constrangimentos, contradições ou reservas – apenas mesuras e cerimônias. É a farsa da democracia, a miséria da política. A luta de classes é uma realidade cotidiana e o enfrentamento do Estado autoritário só pode ser apreendido nessa perspectiva. Não basta agitar a bandeira contra a redução da maioridade penal dialogando ao lado dos seus artífices, protagonistas e carrascos. Não basta agitá-la apenas a reboque dos ataques reacionários, negligenciando o dialogo e o debate popular essenciais a construção da hegemonia na sociedade que a legitima ou a ela resiste. Assim, cumpre aos partidos políticos de esquerda e aos movimentos sociais elevar a consciência política das classes populares e laboriosas de modo a desmascarar essa farsa, fortalecendo as suas organizações de luta, promovendo o enfrentamento desse arremedo de democracia.


Nenhum comentário:

Postar um comentário