sábado, 11 de julho de 2015

Alienação.

Nunca havia pensado sobre a alienação parental. Demorou um pouco até entende-la, ainda após experimenta-la. Ela começou antes mesmo da separação, ainda quando a filha tinha poucos meses. A separação viria somente dois anos depois. A alienação nem sempre é aberta, escandalosa e acintosa. Muitas vezes é sutil, discreta, sistemática, perene e por isso mais efetiva e perversa. No meu caso, como disse, começou logo que a filha nasceu, em um processo de exclusão deliberada no plano da sua memória material.

A memória objetiva de uma criança é mediada por lembranças socialmente construídas. Do ponto de vista subjetivo, constrói-se a partir de momentos intermediados por relações afetivas. Nunca negligenciei a esse respeito, embora evitasse o contato quando estava sob efeito de drogas. A alienação, embora não seja declarada, é um fato concreto inscrito na memória da criança determinado pela ausência. Consta nos registros sociais de diversos eventos, sobretudo naqueles em que estávamos juntos e eu estava presente. Nas festas de final de ano de 2007, numa visita em 2008, na páscoa de 2009 - nessas duas ultimas ocasiões a perversidade deu-se na minha casa.

A criatura alienadora é um ser nefasto.  Infeliz, deprimente, soberba, fútil, hipócrita, afetada, preconceituosa, medíocre. Tudo nela é vulgaridade, excesso, extravagância, sintomático de criaturas perturbadas que necessitam impor-se e serem notadas e/ou aceitas a qualquer preço como compensação a sua baixa autoestima e inexpressividade. A falta de charme, carisma, bom senso e atributos culturais/intelectuais se compensa com gestos expansivos, a fala e o riso histéricos, os trajes e acessórios exagerados - histriônica, caricata, burlesca. É o tipo de criatura que causa constrangimento, piedade, desprezo ou riso por onde passa. Desde que a conheci, nunca senti nada além disso. Dostoievski perdeu.

Há algo de depravado na modéstia católica que dissimula a perversão e a baixeza espiritual da ostentação moral. Caracteriza-se, sobretudo, pela altivez e a covardia nas suas atitudes - é o fariseu hipócrita que despreza e desdenha tudo que julga abaixo de si. Assim, constrói a memória da ausência com método e empenho. Nesse processo, usa e abusa de artifícios e subterfúgios, procedimentos de exclusão em situações ou contextos determinados e significativos. Foi assim que fui excluído de forma discreta e deliberada de eventos, cerimônias, retratos. No Natal, no seu batizado, na Páscoa. Simplesmente se espera a ausência momentânea para fazer as fotos ou então se corta a pessoa deliberadamente no enquadramento. Assim, de acordo com a vontade arbitrária e de forma leviana se constrói o álbum de família parcial e falso. O pai, embora presente, é representado de modo ausente e, por mais que afirme o contrário não é o que consta dos registros que modelarão a memória. Trata-se de procedimento metódico e perverso. 

O aniversário, Natal, Ano Novo, todos perdidos, todos negados. Passado esquecido e ausente. Os recursos, meios, procedimentos, argumentos são múltiplos, variados, sofisticados. É o trabalho, a família, a casa, o dinheiro, etc. Cria-se dificuldades, constrangimentos e obstáculos deliberada e sistematicamente - reais e fictícios. Ameaça, intimida, afronta, barganha. Acumulo telefonemas perdidos, ligações não atendidas, cartas extraviadas ou perdidas, visitas adiadas, passeios recusados. E ainda hoje ela sequer sabe o que faço, aonde moro, como vivo, o que gosto. Nem o que fiz, porque fiz ou deixei de fazer! Receio que sequer saiba o que sou, senão o que lhe dizem e/ou aquele ausente divertido que aparece eventualmente não se sabe como e nem de onde. Disso sobra um trapo de homem impotente, melancólico, inseguro, frustrado e uma criança tímida, arredia, alienada. O tempo do fim - da farsa, do medo, da duvida, da impotência - chegará e, nesse dia cessará as trevas e tudo estará diante de todos....





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