terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Religião, crime e política.

Trabalhei em prisões em São Paulo entre 2009/10. No bairro que cresci na capital, tive muitos amigos e conhecidos presos. Foi por volta do inicio dos anos 90 que notei a virada no bairro e a presença ostensiva dos evangélicos. Os meninos iam pro tráfico, eram presos, voltavam evangélicos, depois de um tempo voltavam pro tráfico, mas, continuavam evangélicos. Nos presídios, descobri que há uma relação estreita entre a facção paulista e a igreja transnacional - negócios, evidente!

Dois legítimos produtos de exportação brasileiro. Nossos cartões de visita sobre o caráter brasileiro. É típico da cordialidade essa relação híbrida, em que dois tipos de energia distintos movem o sujeito - a fé cega e a violência. Operam sobre os indivíduos no âmbito das paixões, não na esfera da razão - esta é a sua racionalidade. O discurso (racional) de forte caráter emotivo apela pra ideia de identidade, escolhidos e guardiões de uma certa moralidade e ética em oposição aos pagãos. Ambos ambicionam o poder - de manipular pessoas, instituições e alcançar a hegemonia e o monopólio. Não é só lucro, é política - evidente que não estão dissociados, são complementares naquela fase do capitalismo descrita pelo Vladimir no inicio do século XX, todavia, o que está em jogo não é mais apenas o mercado da fé ou do tráfico, mas, o controle direto do Estado.

Não é de agora essa relação estreita entre crime organizado e conglomerados religiosos aqui no Brasil, como disse, eu mesmo sei disso desde a década passada - nas prisões - e vi a expansão nas comunidades periféricas nos anos 90. Dos "traficantes em Cristo" aos "PMs de Jesus" é um pulo, tá tudo dominado. Isso caracteriza um projeto político, construção da hegemonia, que carrega uma visão de mundo ambígua e ambivalente, anacrônica, autoritária e mafiosa. A máfia ítalo-americana era transnacional e possuía tentáculos na política, no mercado, na igreja e controlava tudo por meio da violência - intimidação, chantagem, extorsão, extermínio, corrupção, fraude, etc. É disso que estamos falando: crime organizado.

O sistema carcerário é uma máquina que envolve diversos profissionais e múltiplos saberes - saúde, psicologia, serviço social, direito, pedagogia, administração, militares, políticos, dentre outros. Assim, isso tudo aconteceu com a cumplicidade por omissão, negligência ou conveniência de amplos setores políticos e sociais. E não foi da noite para o dia, foi um processo lento e metódico. Isso não têm nada a ver com religião, espiritualidade, moral e elevação da consciência ou do caráter. É a completa obliteração do indivíduo, a depravação e perversão absoluta para fins econômicos e políticos.

É uma afronta à sociedade e aos valores primordiais da civilização conquistados através de décadas de lutas. Nós perdemos essa batalha e com ela perderemos tudo - porque eles não querem participar ou serem aceitos, eles querem tudo. Controlar tudo, subordinar tudo e todos e exterminar aquilo que é diverso ou contrário e consideram inferior ou desumano. Não há o que dialogar ou debater com isso porque por princípio eles repudiam o diálogo, o debate, a razão, o direito, a sociedade e o outro. Isso deve ser contido e combatido por todos os meios!


A intolerância e a violência às outras crenças, ideias, valores é patológica. A demonização do outro é a razão da desumanização. Os ataques são sistemáticos, brutais, deliberados, minimizados e tolerados pelo Estado. A violência construída sistematicamente no discurso de ódio permanente na pregação, se materializa na intolerância, no preconceito e na opressão contra mulheres, LGBTs, negros e outras religiões ou culturas. Isso precisa ser enquadrado e controlado rigorosamente - é inadmissível que se considere acima da sociedade, do Estado e dos indivíduos.

A retórica do ódio, do obscurantismo e do arbítrio dissimulada por detrás da liberdade religiosa é manipulada, dissimula o desprezo pelo direito, a razão, a sociedade, o Estado e a vida! É uma aberração e um caso não só de segurança nacional, mas, diante dessa esquizofrenia megalomaníaca, sobretudo de saúde pública. Esses terroristas - isso sim é terrorismo! - têm nome, sobrenome, face, CPF e aparecem na televisão todos os dias. Praticam diversos crimes tipificados no código penal de forma deliberada e compulsiva. São empresários, políticos, "pastores" ao mesmo tempo e, sobretudo, mafiosos o tempo todo. 



A relação estrutural entre mercado, religião, política e crime é intrínseca, promíscua, perversa e prolífica. Ela é o veneno da república e da democracia. Ela matou a democracia, talvez não sozinha, mas, corroeu-a pelas bases. A democracia, pelo menos essa nossa versão burlesca, foi incapaz de resistir a esse projeto. Talvez saia algo positivo disso: a constatação de que não será pelas vias democráticas que poderemos enfrentar e suplantar esse projeto arcaico, obscurantista e autoritário. Não sei como nem quando, não com essas organizações dos trabalhadores apáticas, indolentes, oportunistas e acovardadas. Enfim, era só isso mesmo....



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