
Dois legítimos produtos de exportação brasileiro. Nossos cartões de visita sobre o caráter brasileiro. É típico da cordialidade essa
relação híbrida, em que dois tipos de energia distintos movem o sujeito - a fé cega e a violência. Operam sobre os indivíduos no âmbito das paixões, não na esfera
da razão - esta é a sua racionalidade. O discurso (racional) de forte caráter emotivo apela pra ideia de identidade, escolhidos e guardiões de uma certa moralidade e ética em oposição aos pagãos. Ambos ambicionam o poder - de manipular pessoas,
instituições e alcançar a hegemonia e o monopólio. Não é só lucro, é política - evidente que não estão dissociados, são complementares naquela
fase do capitalismo descrita pelo Vladimir no inicio do século XX, todavia, o que está em jogo não é mais apenas o mercado da fé ou do tráfico, mas, o controle direto do Estado.
Não é de agora essa relação estreita entre crime organizado e conglomerados religiosos aqui no Brasil, como disse, eu mesmo sei disso desde a década
passada - nas prisões - e vi a expansão nas comunidades periféricas nos anos 90. Dos "traficantes em Cristo" aos "PMs de Jesus" é um pulo, tá tudo dominado. Isso caracteriza um projeto político, construção
da hegemonia, que carrega uma visão de mundo ambígua e ambivalente, anacrônica, autoritária e mafiosa. A máfia ítalo-americana era transnacional e possuía tentáculos na
política, no mercado, na igreja e controlava tudo por meio da violência - intimidação, chantagem, extorsão, extermínio, corrupção, fraude, etc. É disso que estamos
falando: crime organizado.
O sistema carcerário é uma máquina que envolve diversos profissionais e múltiplos
saberes - saúde, psicologia, serviço social, direito, pedagogia, administração, militares, políticos, dentre outros. Assim, isso tudo aconteceu com a cumplicidade por omissão, negligência
ou conveniência de amplos setores políticos e sociais. E não foi da noite para o dia, foi um processo lento e metódico. Isso não têm nada a ver com religião, espiritualidade,
moral e elevação da consciência ou do caráter. É a completa obliteração do indivíduo, a depravação e perversão absoluta para fins econômicos e políticos.

A intolerância e a violência às outras crenças, ideias, valores é patológica. A demonização do outro é a razão
da desumanização. Os ataques são sistemáticos, brutais, deliberados, minimizados e tolerados pelo Estado. A violência construída sistematicamente no discurso de ódio permanente
na pregação, se materializa na intolerância, no preconceito e na opressão contra mulheres, LGBTs, negros e outras religiões ou culturas. Isso precisa ser enquadrado e controlado rigorosamente
- é inadmissível que se considere acima da sociedade, do Estado e dos indivíduos.

A relação estrutural entre mercado, religião, política e crime
é intrínseca, promíscua, perversa e prolífica. Ela é o veneno da república e da democracia. Ela matou a democracia, talvez não sozinha, mas, corroeu-a pelas bases. A democracia, pelo menos
essa nossa versão burlesca, foi incapaz de resistir a esse projeto. Talvez saia algo positivo disso: a constatação de que não será pelas vias democráticas que poderemos enfrentar e
suplantar esse projeto arcaico, obscurantista e autoritário. Não sei como nem quando, não com essas organizações dos trabalhadores apáticas, indolentes, oportunistas e acovardadas.
Enfim, era só isso mesmo....
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