No
final do ano fará 8 anos que estou na rede social. Faz uns meses que tenho
pensado em sair. Tenho pensado muito nisso. Refletido sobre as razões de ainda
estar nela e como ela interfere na minha vida. É certo, conheci diversas
pessoas através dela, lugares e tive acesso a muita informação e conhecimento.
Ajudei a mobilizar pessoas, colaborei para construir eventos, organizações,
participei de debates, fiz e desfiz amizades. Pessoas que conheci nos lugares
mais distantes do país, hoje mantenho contato com elas apenas pela rede social.
Três
questões deverão nortear essa reflexão: como era a minha vida (política) antes
da rede social? Quais eram as minhas expectativas em relação a ela? E quais os
limites que tenho notado e que me incomodam?
Devo
dizer que sempre fui resistente à tecnologia. Menos por razões ideológicas que
materiais e técnicas mesmo. O primeiro computador em casa apareceu apenas em
2003, quando eu já tinha 28 anos e lecionava na rede pública. Internet fui
conhecer na faculdade no ano 2000, utilizando na casa de um colega que entendia
do assunto e depois no laboratório de informática. Meu primeiro celular veio
apenas em 2004, quando ganhei um nextel da Secretaria do Trabalho em função do
meu cargo. O primeiro que comprei foi em 2011 por causa de trabalho também e
desde então é que faço uso regular. Tecnologia nunca me deslumbrou. Nunca vi
essas coisas como símbolos de status. Até hoje pouco entendo e não me seduz.
Não tenho muita paciência pra equipamentos eletrônicos e nem jeito pra lidar
com coisas frágeis. Sou muito desatento, desleixado, afoito e desinteressado
por novidades tecnológicas. Celulares e notebooks são incontáveis os que já
quebrei por impaciência ou descuido - mais por impaciência.
Quando
comecei a escrever esse blog, há dez anos, ainda não tinha rede social. Lembro
do meu irmão falando sobre Orkut e Fotolog, lá pelas bandas de 2005, 06 e 07.
Entrava por um ouvido e saía pelo outro, nunca tive o menor interesse em saber
do que se tratava. A rede social entrou na minha vida quando tive que voltar à
casa dos meus pais, no final de 2012. Uma amiga de outra cidade que lia meu
blog insistia pra que eu aderisse. Diante do desgosto, da solidão e do tédio,
após ouvi-la e outros amigos, decidi experimentar. Confesso que não tinha
qualquer expectativa quando entrei, mas, logo vieram algumas boas surpresas, na
medida em que pude reencontrar velhos amigos e conhecidos e, a seguir, ter
contato com novas pessoas interessantes. Ainda assim, segui com o blog e a rede
social ajudou a ampliar o seu alcance.
Logo
no ano seguinte veio a onda de 2013. Eu já era militante político, mas, me
surpreendi com a potencialização das manifestações nas redes sociais. Foi
interessante e surpreendente ver pessoas de diversos locais no país
compartilhando as mesmas ideias, expectativas e ações. Acompanhar ações em
tempo real, sem o filtro da grande mídia. Ver surgir "novos
movimentos", "coletivos", "lideranças",
"ativistas" e "influencers" de todo o tipo - seja lá o que
isso quer dizer. Ver como as velhas organizações utilizavam, se adaptavam e
disputavam esse espaço.
Do
ponto de vista político, foi uma experiência e tanto - positiva e negativa. Não
tenho a pretensão de fazer qualquer julgamento ou análise, me falta tempo,
meios e interesse. Se trata de mera reflexão sobre a minha experiência passados
todos esses anos. Logo nos primeiros anos - até 2014 -, havia uma certa
inocência, digo, apenas da minha parte em relação a rede social. Algum
idealismo e muita disposição em utilizar essa ferramenta para meus próprios
fins, como militante comunista ligado a movimentos populares. Via a rede
social, de certo modo, como um canal de televisão 24 horas que me permitia
alcançar um número inimaginável de pessoas. Me recordo da "primavera
árabe" e, sobretudo, do caso Neda no Irã em 2009.
Sou
do tempo de reunião política no diretório do partido, no centro acadêmico da
faculdade ou na associação de moradores do bairro. Reunião que mobilizava, se
muito, algumas dezenas de pessoas. Atividade muitas vezes cansativa,
desgastante e nem sempre produtiva. Dependendo do local e da reunião, já se sabia
quem seria o protagonista e qual o objetivo real, dissimulado por detrás do
anunciado. A rede social, naquele momento, para mim veio como um meio de
quebrar isso, ou de pelo menos ajudar a superar, trazendo novos interlocutores
e te permitindo falar e ampliar o debate.
Depois
de 2014 veio o choque de realidade e a crise - o desencanto era apenas questão
de tempo. Até então, a rede social era uma possibilidade - talvez a maior de
todas - de superar - ou abalar - a velha política de cima pra baixo, das
lideranças ad eternum distante das massas e inacessível ao sujeito médio. A
rede social foi a oportunidade de colocar, por exemplo, o nanico Partido da
Causa Operária todos os dias na sua casa. Um partido que a imensa maioria das
pessoas só tinha acesso a cada 2 ou 4 anos, no período eleitoral, apenas por
uns poucos segundos, até de forma caricata, na televisão. Uma legenda conhecida
somente entre estudantes de universidades federais, militantes da esquerda e
trabalhadores dos correios. A rede social ampliou o espaço da Causa Operária e
das suas publicações, intelectuais, dirigentes, militantes e ações. Fez isso
com diversas outras organizações políticas dos trabalhadores e movimentos
populares e sociais. Por isso, por alguns momentos pensei que seria inevitável,
questão de pouquíssimo tempo pra esquerda em bloco, em torno de uma pauta
mínima, atropelar as antigas raposas dos velhos partidos herdeiros da tradição
mais arcaica e sinistra da nossa história política. Pensei que o velho Sr.
Burns e o Joe Quimby seriam engolidos antes mesmo de perceberem o que crescia
debaixo dos seus narizes caídos. Era chegado o momento dos "sem voz"
no cenário político dialogarem com as massas cotidianamente, enquanto os velhos
do PMDB, do DEM e do PSDB seguiam onde sempre estiveram, com os seus espaços
garantidos nas tribunas e nas grandes mídias.
Até que veio 2014 e as eleições. Esse foi o divisor de
águas. O que acabou com as ilusões e mostrou os limites da esquerda e da rede
social. Na verdade, mostrou apenas os limites da esquerda no que diz respeito a
utilização da rede e a minha ilusão em relação a ambos. Não houve unificação
entre as esquerdas e tampouco expressiva alteração no interior das legendas.
Digo, no sentido de renovação dos quadros políticos e da participação efetiva
em espaços institucionais de disputa política. Quais partidos efetivamente, do
amplo espectro da esquerda, ampliaram os seus espaços e renovaram os seus
quadros? Repito, isso não é um estudo, é só uma reflexão. Nesse meio tempo,
estive no PCO e no PCB. Vi muita gente ir e vir nessas legendas, sem sequer
arranhar o núcleo duro das mesmas e as suas estruturas. As burocracias e os
carreiristas, tal qual em diversos sindicatos, seguem ocupando as cúpulas como
sempre estiveram. Aumentou a militância e os coletivos ou frentes de luta? Em
novos espaços (locais) ou nos de sempre? Não seria, afinal, um movimento natural próprio das
crises institucionais, tanto econômicas quanto políticas e sociais? De fato,
hoje existem canais de TV nas redes, rádios, entre outros meios de comunicação
de longo alcance - há até os militantes "subcelebridades". No
entanto, por que isso não renova ou revigora essas forças políticas, no sentido
de fortalecer a classe trabalhadora e tomar espaços da direita nas estruturas
de poder? Diante de toda essa parafernália tecnológica e a exposição virtual,
houve aumento de diretórios, candidatos, votos?
É
certo, alguns dirão que suas estratégias são outras, nem vou entrar nessa
discussão, pois, isso não tem inserção na realidade, é sem fundamento prático,
debate para e entre convertidos que só tem lugar na cartilha e no culto. Ao longo
desses anos, estive em duas legendas e incontáveis favelas, comunidades e
ocupações e em nenhuma delas os encontrei. Os vi e ouvi na UFRN, na UNIFESP, na
USP, na UFRJ e em diversas manifestações em que apareciam como figurantes,
sempre a reboque dos acontecimentos e na defensiva.
Apesar
desse quadro, penso que o PSOL seja a legenda que mais se fortaleceu, ampliando
a sua base eleitoral e institucional. Projetou novos quadros e lideranças,
ampliou a militância e as suas frentes de luta, coletivos e tendências. O PSTU,
apesar da fratura, não perdeu aquilo que conquistou nessa onda - pelo menos não
no RN, quando fez uma vereadora com votação tão expressiva que colocou mais
dois vereadores da coligação na casa. Segue forte junto aos trabalhadores da
saúde e da educação no Estado, bastante atuante e combativo. O PCR é uma força política expressiva no nordeste, controlando o movimento estudantil secundarista e o movimento popular de luta por moradia através do MLB. Conheci-os em Natal e na Bahia e fazem um trabalho de organização popular admirável. Agora construíram a Unidade Popular pelo Socialismo.
Penso
que o grande derrotado é o maior de todos, o PT. Desde Zé Dirceu, a despeito
das eleições de Lula e Dilma, de Haddad e uma ou outra figura expressiva - não
que seja novidade ou renovação - no nordeste, o partido pouco se renovou e vem
perdendo gradativamente de forma melancólica - e até vergonhosa - várias
figuras emblemáticas - outras nem tanto. Não vou falar dos presos, cassados ou
expulsos porque é público e notório. Tanto pior são os que simplesmente se
retiraram de forma mais ou menos discreta, aqueles que perderam seus mandatos
nas urnas e os que romperam com o partido. Não sei se o taumaturgo consegue ou
mesmo quer recolher os cacos, se é possível colar tudo novamente. Também não
sei o que virá ou sobrará quando ele partir, ao som de Blowing in the wind, com
Haddad tocando e Suplicy cantando.
Antes
da rede social a minha militância era no bairro - no diretório do PT e nas
comunidades na luta por moradia. Depois, na faculdade, com os sociólogos,
ajudei a construir 3 governos do PT - Elói Pietá em Guarulhos, Marta Suplicy em
São Paulo e Lindbergh Farias em Nova Iguaçu. Como havia sido punk e do
movimento estudantil, nas escolas que lecionei ajudava a organizar os
estudantes incentivando-os a construir Grêmios. Minha experiência em
movimentos populares me ajudou a trabalhar em políticas públicas em
diversas comunidades, sobretudo em empreendimentos habitacionais e de urbanização.
Assim, ajudei a criar algumas associações de moradores e outras organizações
de representação comunitária e luta. Fiz isso em Cubatão, Bertioga, São
Vicente, São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Bonito (BA).
Sou do tempo em que trabalho político de base, de agitação
e propaganda, mobilização e organização era com o pé no chão e olho no olho.
No gogó e no corpo a corpo. O resultado, se viesse, demandava um longo processo
de construção coletiva - debate, formação, avanços, recuos, conflitos e
contradições. De todo modo, o caráter pedagógico inerente ao processo já rendia
frutos pra todos - forjava o militante e fortalecia os valores democráticos e o
espírito coletivo e de luta das massas. Foi o que eu aprendi nos dias pré rede
social. Você mensurava isso tudo por meio de listas de presença, atas de
reuniões, organizações construídas, atos políticos realizados, panfletos ou
jornais redigidos e distribuídos. Podia se avaliar o resultado do trabalho nos
debates e ações políticas, conquistas do movimento, força política reconhecida
pelo poder público ou outros interlocutores. Hoje alguns contam "visualizações",
"compartilhamentos" e "likes". É a revoluxou da
"sociedade do espetáculo". Eu sei o nome das organizações e
lideranças que formei e me formei, não são muitas como as "views" dos
novos quadros virtuais, mas, sei o que elas são e poderão vir a ser. Sei o que
através desse trabalho elas conquistaram e poderão conquistar.
Não
tenho mais ilusões quanto as redes sociais. As últimas se foram em 2018. Foram
incontáveis e retumbantes derrotas e retrocessos. Muito menos em relação às organizações da esquerda - porque essa crítica é a elas, não à indivíduos. Construir a unidade, mobilizar, formar, organizar, radicalizar as lutas dos trabalhadores, entre outras coisas, são obrigações das organizações, do conjunto delas, não apenas desta ou daquela. Além de não ampliar os seus
espaços de poder, a esquerda perdeu pra direita ainda aquele espaço que historicamente era
seu, conquistado com muita luta e sangue: as ruas. Não tenho certeza, mas,
penso que perdeu esse espaço - virtual - aqui também, antes até mesmo de perder as ruas.
Aliás, uma derrota levou à outra. A esperada e "certa" unidade de
esquerda não veio. O bloco não veio nas eleições, no golpe, na prisão do líder,
na reforma trabalhista, da previdência, na PEC do fim do mundo, nas eleições
seguintes, na fraude eleitoral e nem em defesa do meio ambiente, da educação,
das estatais ou da democracia e estado de bem estar social mínimo. Não veio o bloco e
até a greve geral que em 2015 era palavra de ordem, se calou.
As rádios seguem falando, os canais virtuais analisando,
denunciando e "formando" "militantes" e
"simpatizantes". Formaram tantos, onde estão eles? É verdade, todo
dia aparece um "novo" virtual e um "canal" novo - não é por falta de informação e formação
que não se constrói coisa alguma nas ruas. Enfim, será possível formar um
militante sem debate e luta? Se for, quantos vídeos formam um militante? E
formam pra quê, pra disputar a "hegemonia" com a direita nas redes
sociais? Disputando o quê ou quem com a direita, as massas? Disputa as massas
sem dialogar com elas, sem inserção nas bases populares e conhecê-las, senão
apenas por meio de estudos e pesquisas? Certa vez um desses "quadros"
virtuais disse que um trabalhador da construção civil comentou no seu vídeo,
dizendo que assistia sempre e gostava. E bastou pro militante dizer que se sentia
realizado e que seguiria na sua cruzada abnegada e revolucionária de formar as
massas - seria cômico, se não fosse trágico. Aposto que o companheiro pedreiro
hoje já deve ter lido o Manifesto Comunista e Que fazer?, mobilizado o canteiro
de obras e levantado as massas proletárias suburbanas. Afinal, quem disse que
precisa de gente e ente pra formar, mobilizar e organizar? Perceberam como as
organizações, agitações e o quantum de militantes e simpatizantes cresce na
mesma proporção de influencers, canais, views, likes e compartilhamentos de
cada vídeo, podcast e notas ou textos fartamente produzidos como soja para um
público cada dia mais ávido por conhecimento e informações tanto quanto dispõe
de tempo e meios para isso?
Faz
muitos anos que tenho notado isso - refletido só um pouco. Escrevo agora porque
precisava regurgitar o que mal está sendo digerido. Não tenho mais ânimo pra
rede social. Só vejo isso e isso e mais isso desde 2015, mais ou menos. A
conjuntura só tem piorado em ritmo frenético de forma sistemática, ano após
ano, dia após dia e a esquerda nas redes sociais segue na mesma toada - a
reboque, batendo cabeça, desorientada, repetindo a mesma ladainha e com as mesmas
caras. Há pouco debate e nenhum diálogo. Quase nenhuma agitação, mobilização e luta. O abismo entre as massas é cada dia
mais profundo e largo. A inépcia da esquerda em utilizar esse meio levou a
derrota aqui e nas ruas. Enquanto os calorosos debates sobre Estalinismo versus
Trotsquismo seguem entre os lúcidos, coerentes e contundentes camaradas, a
direita segue manipulando e conduzindo com os seus slogans rasos e as fake news
mais esdrúxulas. Uns lamentam, outros esperneiam, mas, o estrago já está feito
ainda quando se desmonta a farsa, e as instituições seguem "funcionando
normalmente". Enquanto os camaradas debocham do crente na rede social, o
pastor demoniza o socialismo de forma eficaz na igreja sem nem saber quem foi
Prestes ou Florestan. Depois do sermão eles conversam sobre o preço do frango e
a enchente na rua. Buscam meios de se ajudarem e superarem esses dilemas do seu
dia a dia. Segue o debate sobre Losurdo contra Zizek, e quem não tem frango que
coma ovo. Não tem lugar pro preço do pão, do aluguel ou o material escolar no
macro debate ortodoxo sobre a "luta de classes" dos camaradas. Há
muito debate e nenhum diálogo, é cada um no seu quadrado e falando consigo
mesmo, apenas pros seus convertidos ou neófitos. E o eco é cada vez menor,
conforme a caverna se estreita. Cansei disso, é só um labirinto de espelhos.
Farto de andar em círculos e ver o mesmo reflexo.
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