quarta-feira, 4 de março de 2020

Subúrbio punk


Nasci e cresci em Pirituba, bairro suburbano da capital paulista. Me recordo que lá, nos anos 80 havia muitos punks. Na rua 4 morava o Mingau – atual baixista do Ultraje à Rigor e que naquela época era um dos fundadores do Ratos de Porão. O primo dele, o Marcelo Onça, era um dos punks mais gente fina do bairro e tinha mais ou menos a minha idade, cerca de 5 anos mais velho. Embora usasse um visual agressivo, conversava com todo mundo e buscava cooptar a molecada pro movimento. 



No final dos anos 80, quando entrei na adolescência, a democracia engatinhava. Eu era skatista em 88, aos 13 anos. Foi nesse momento que comecei a ouvir o som punk. A rua 4 era uma das preferidas da molecada do skate. Era uma ladeira boa que terminava numa baixada plana, em que começava uma subida suave. Isto é, de ambos os lados se podia descer pra “varar” a rampa ao seu final. Formavam-se filas de skatistas na rua pra descer e pular a rampa, as vezes, até uns bikers a encaravam. A ladeira também era point do pessoal mais chegado no downhill. Caí muito nessa pista e tenho algumas cicatrizes desse tempo até hoje.


As vezes ficava andando até a noite e me recordo dos punks na frente da casa deles. Muitas vezes o Marcelo me chamava pra conversar e foi assim que tive acesso ao som punk. Nessa época, eu estava começando a pixar. Lembro que uma vez eu estava com uma lata de spray e acabamos com ela no muro da casa dele, pixando além da minha marca, vários protestos e silks punks. Chamo de silk aqueles moldes feitos com chapa de radiografia em que se encosta o molde na parede e desce a tinta por cima. Eram silks do Exploited, Toy Dolls, Ratos, Dead Kennedys. 


O bairro que eu cresci surgiu em função da ferrovia, assim como a Lapa. Há, aqui e ali, na Lapa e Pirituba resquícios da ocupação operária inglesa. Cresceram indústrias diversas no entorno da ferrovia, como a Siemens, Voith, Martins Ferreira, Fritz Dobert, Santa Marina. Entre as estações do Piqueri e de Pirituba, havia uma vila de trabalhadores ferroviários. Lá tinha um galpão que funcionava como área de lazer e clube. Lembro que nessa época, às vezes, aconteciam festas punks lá. Perto da estação de Pirituba tinha ainda a Casa de Nassau, um espaço da cultura holandesa enfiado nos confins de São Paulo. Pois bem, era nesses locais que aconteciam shows, festas e tretas entre as gangues punks e skins - depois vieram as noitadas do rap, hip hop e funk com as suas tretas também. 


Lembro que uma vez, rolou um confronto monstro num desses locais, com muitos feridos e detidos, após uma invasão pelos Carecas do Subúrbio do ABC. Depois dessa treta, eu arranjei um soco inglês e um canivete e andava sempre com eles. Nunca usei nenhum deles. Nem sei que fim tiveram. Só me recordo que logo em seguida teve outra treta horrorosa no show do Toy Dolls em Sampa, quando um skin – acho que era um tal de “Paraná” - subiu no palco e deu uma porrada na cara do Olga, vocalista da banda. 


Enfim, o que eu lembro dessa época, é que aconteciam muitas apresentações de bandas, como Inocentes, Olho Seco, Ratos, Vírus 27, Condutores de Cadáver, Restos de Nada. As tretas eram sempre feias mas, não morria ninguém. Depois vieram o crime, o tráfico e as armas e os cadáveres se multiplicaram. Acabaram as disputas por questões territoriais de gangue e começaram as por "mercado" de drogas - quando a lógica do capitalismo se impõe é assim. Peguei essa época e testemunhei a decadência que segue. Fim da estória e do romantismo suburbano....


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